Seu Amadeu acreditava que ficaria rico com Belo onte. Que a construção da barragem seria uma oportunidade para que ele e a família prosperassem. Por isso, defendeu o empreendimento sem titubeios. Acreditou nisso por três anos – até que algumas coisas mudaram.
Representantes do empreendimento realizaram o primeiro contato com Amadeu em 2008. Contaram a ele sobre a obra e sobre o progresso. Explicaram como o seu terreno era parte essencial da barragem – afinal, sem um canal, não haveria 80% da vazão da Volta Grande desviada, e aí não sairiam os migalhawatts prometidos.
No entanto, na hora de receber a bolada que mudaria sua vida – a gorda indenização por sua terra e benfeitorias na margem esquerda do quilômetro 50 da rodovia Transamazônica -, seu Amadeu, o filho e a nora depararam-se com um valor de pouco mais de 90 mil reais.
“90 mil eu não aceito”, reagiu Amadeu Fiok, o acometido. O pai é turco. “O que é isso? Vocês me prometeram muito mais”.
E aí chegou uma intimação, dando prazo para que ele saísse da terra, e dizendo que o valor (na ação, ligeiramente mais baixo) já estava depositado em sua conta. Retrucou: “daqui eu não saio”.
Mas, feito um lutador que toma uma pancada e não sabe bem de onde veio, seu Amadeu não entendeu: ele não tem saída. Está marcado para perder.
Através de um decreto publicado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), que transforma toda a extensão da Volta Grande do Xingu em área de utilidade pública, basta à Norte Energia entrar na Justiça com uma ação de desapropriação contra cada proprietário que se recusar a aceitar os valores propostos pela empresa. E pronto: a indenização está paga e os moradores removidos.
Ditadura e direito
“Pra começo de conversa: esse decreto é da ditadura de 40″, comenta a coordenadora do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, Antônia Melo. Ela se refere ao decreto-lei que regulamenta as desapropriações em geral, de 1941 – período da ditadura getulista do Estado Novo (1937-1945). Foi baseado neste decreto que a ANEEL declarou de utilidade pública a área da construção de Belo Monte.
“Em segundo lugar: as áreas de realocamento já deveriam estar definidas, para que os proprietários pudessem optar entre indenização e o remanejamento”, continua. “E pra quem não queria sair, não queria barragem, mas só sobrou a alternativa de ser indenizado, oferecem valores baixíssimos, e completamente deslocados do mercado imobiliário da própria região – que está explodindo graças à própria especulação em torno da usina. O proprietário não sabe nem o que fazer para defender seus direitos”, critica.
Em se tratando de direitos, a advogada e professora da UFPA, Andréia Barreto, concorda que há irregularidades envolvendo as ações de desapropriação. “Não foi garantido a eles o acesso à Justiça. Quem não aceita a negociação, não encontra amparo legal. Não tem direito à Justiça gratuita. Por um motivo bem simples: essas ações envolvem interesse da União. Isto é: são da Justiça Federal. Nestes casos, quem cuida das defesas é a Defensoria Pública Federal (DPF). E não há DPF em Altamira”, explica. “O que nós temos presente em Altamira e região é a Defensoria Pública Estadual, que não vai atuar nestes casos. Ou seja: ou eles contratam advogado particular, ou não tem defesa”.
Segundo a advogada, também o Ministério Público Federal não é obrigado a atuar nestas ações, porque são causas individuais. “Muitos não podem pagar por advogados particulares. “Ou seja, foram tolhidos da garantia de suas defesas. Há uma ausência das instituições que deveriam acompanhar os desapropriados”, conclui.
Ruy Marques Sposati
Foto: Movimento Xingu Vivo