Há seis meses perto de
600 garimpeiros da Vila da Ressaca, no município de Senador José Porfirio, estão
sem fonte de renda. Eles fazem parte do universo de pessoas e categorias que
serão atingidas pelos grandes projetos da região do Xingu, a sudoeste do Pará,
mais precisamente na Volta Grande do Xingu, a 50 km a sítio Pimental, que
integra a engenharia do projeto da Hidrelétrica de Belo Monte. Cerca de duas horas de barco separam a Volta
Grande do município de Altamira, cidade polo da região.
Além de Belo Monte os
moradores da vila são impactados pelo Projeto Volta Grande, maior empreendimento
de mineração de ouro a céu aberto do país, da canadense Belo Sun Mining Corp,
que deverá retirar 50 toneladas de ouro no prazo de 12 anos, e promete empregar
2.700 operários.
Além dos empregos a corporação
garante que irá promover o reassentamento das famílias da Vila Ressaca, Galo e
Ouro Verde, e que vai gerar R$500 milhões em impostos em 11 anos. A Belo Sun
integra o portfólio da Forbes & Manhattan Inc., um banco mercantil de capital
privado, que desenvolve projetos de mineração em todo o mundo.
Após três anos de
prospecção e uma negociação nebulosa com pessoas que se dizem donas da área, os
garimpeiros estão impedidos de trabalhar nos antigos garimpos Grota Seca, Galo
e Ouro Verde, que respectivamente seriam de propriedade de Henrique Pereira
Gomes, e das pessoas conhecidas somente pelos prenomes de William e Gazio. Itatá, Curimã e Morro dos Araras fecham a
constelação de garimpos da região, como outros rincões da Amazônia, marcada por
uma realidade agrária caótica.
Conforme moradores da
Vila, a retirada dos garimpeiros foi a condição para o pagamento da segunda
parcela da negociação junto aos possíveis proprietários. A estimativa é que 50%
dos moradores abandonaram o local, perto de mil pessoas. O mesmo ocorre na vizinha
Ilha da Fazenda, que passou o ano sem energia elétrica gerada a motor de diesel,
e já sofre com o abastecimento de água.
Cerca de 300 famílias ainda
moram na Vila Ressaca, que tem parte do território definido como projeto de
assentamento rural da reforma agrária. Além do garimpo os moradores possuem
como ocupação a lavoura, pesca e o funcionalismo público. Seis mil pessoas chegaram
a habitar o lugar durante a febre do ouro.
Prestes a receber a
licença ambiental, tudo parece anuviado tanto na Vila de Ressaca, quanto na
Ilha da Fazenda. Os moradores não sabem informar sobre reassentamento das
famílias, e temem pela qualidade da água no presente e no futuro, por conta do
desmatamento, do uso de resíduos tóxicos, assoreamento e barramento do Xingu,
que deverá reduzir em até 80% a vazão do rio.
Os ribeirinhos também não
sabem se existe algum programa de prevenção de acidentes. O futuro dos
habitantes da Volta Grande é incerto. Os ciclos da fauna e flora serão brutalmente
alterados, assim como a navegabilidade do rio.
Entre outros pontos
nevrálgicos, defensores dos direitos humanos e ecologistas criticam que os
estudos de impactos ambientais da mineradora não consideram os impactos
cumulativos dos dois empreendimentos. Na mesma seara de critica encontram-se o
Ministério Público Federal, Fundação Nacional do Índio (Funai), Defensoria
Pública do Estado e ONG´s.
O licenciamento está
suspenso pela Justiça Federal a pedido do MPF, que exige que as populações
indígenas Juruna, Araras e isolados sejam ouvidas previamente. Paquiçamba e Arara são as reservas indígenas
mais próximas do empreendimento.
Vila
da Ressaca – Uma vila quase fantasma – Conforme dados do
Estudo de Impacto Ambiental da Belo Sun, maranhenses representam 93% da
população do município Senador José Porfirio, criado na década de 1960, e que
desde os anos quarenta registra atividade de garimpo de ouro. As mineradoras
Oca, CNN e Verona precederam a Belo Sun.
Os anos das décadas de
1960 e 1970 são considerados os gloriosos de ouro fácil. Antes do impedimento da
atividade, cada garimpeiro conseguia faturar entre R$ 3 a 6 mil reais, informa José
Raimundo Constantino, presidente da Cooperativa de Garimpeiros do Galo,
Ressaca, Ouro Verde, Itatá e Fazenda (Coogrovif).
A placa da cooperativa
registra que ela possui autorização de lavra, de número 71, concedida pelo Departamento
Nacional de Produção Mineral (DNPM) desde 2009. A desordem é a
regra na fronteira. Nos garimpos da Ressaca não havia relação trabalhista entre
os garimpeiros e os controladores dos locais de extração. Cada garimpeiro ficava com
20% do que conseguia arrecadar, enquanto o restante era para o "patrão". Além da precariedade trabalhista era comum o
trabalho infantil, e uso do mercúrio e dinamite. Para não falar na situação de
conflito que ocorreu com as populações indígenas.
A mineração em menor ou
maior escala é indutora de passivos sociais e ambientais. Se os garimpeiros
usam dinamite e mercúrio, as grandes corporações usam cianeto, dragas e
dinamite. Tanto um quanto o outro provoca situações de conflito com as
populações consideradas tradicionais, em particular indígenas.
Desabafos
da Ressaca – no último sábado as casas de madeira apertavam
as ruas estreitas da vila marcada por uma rotina de tranquilidade. O vai e vem
comum nos dias de garimpo, com pessoas carregando combustível e motores deixou
de existir. “As máquinas foram levadas para o Mato Grosso. Não temos como
trabalhar”, informa Idelson de Sousa, um articulado jovem garimpeiro indignado
com a situação de abandono. “Temos três vereadores, e ninguém nos defende”,
arremata.
“A empesa sonega informação.
Nos afronta e humilha. A gente não tem liberdade e estamos passando necessidade.
Estamos que nem gado no curral” enfatiza Francisco Pereira Silva, conhecido
como Piauí. Ele é a voz mais indignada na reunião da cooperativa. Há anos na
atividade, ele esclarece que tem pai hoje na comunidade sem condição de comprar
nem um lápis para o filho. “Não queremos
nada. Apenas o nosso direito. É necessário que haja justiça em nosso país”,
sublinha o garimpeiro.
Já Ideglan Cunha
adverte que em Ressaca não há ladrão. Sim pobres dignos. E que não se pode sair
de qualquer jeito do garimpo. Ele encerra defendendo que “a gente quer
trabalhar, comer e que o direito de cada um seja respeitado”.
Mineração
no Pará - Existe minério praticamente em todo o estado, - de
seixo a ouro -, todavia, até o momento, Carajás tem se constituído como o
principal polo exportador. O extrativismo mineral é o principal item da balança
comercial do estado do Pará, chegando a contribuir com 90% do Produto Interno
Bruto (PIB). O mesmo minério que pesa no PIB é responsável por uma renúncia
fiscal de R$ 9 bilhões por ano por conta da Lei Kandir (lei
complementar federal n.º 87, de 13 de setembro de 1996),
que desonera as empresas em recolher o Imposto de Circulação de Mercadoria e
Serviço (ICMS) dos produtos primários e semielaborados. Dados do DNPM sinalizam
que o setor faturou 100 bilhões de reais em 2012. Deste total o Pará responde
por 23,3%, ficando atrás de Minas Gerais, que concentra 41,4% da produção.
A desoneração em R$9
bilhões se aproxima do orçamento total do estado para o ano de 2013, estimado
em R$ 13 bilhões, assim explica a dissertação de mestrado em Direito de Victor
Souza, defendida da Universidade Federal do Pará (UFPA). No cenário de
corporações internacionais que exploram ou reivindicam licença para prospecção
mineral junto ao DNPM em solo paraense, constam a suíça Xstrata, a
estadunidense Alcoa, a francesa Ymeris, a Reinarda, subsidiária da australiana
Troy Resourse, a norueguesa Norsk Hidro, a chilena Codelco, a canadense Belo
Sun Mining Corp e a Vale, esta a de maior musculatura.
Ao longo dos anos a
modalidade de política pública para a Amazônia baseada em grande empreendimento
tem sido um indutor de desagregação econômica e social, que se manifesta a
partir do rompimento de laços de solidariedade, vizinhança, formas de
reprodução econômica, social e cultural de pescadores, indígenas, trabalhadores
rurais, extrativistas e demais formas da sociodiversidade.
Os dois projetos, Belo
Monte e Belo Sun fazem parte de um cenário que tem redefinido os territórios já
estabelecidos na Pan-Amazônia, que colocam em flancos opostos grandes
corporações de construtoras de barragens, mineradores, agronegócio e noutro as
populações consideradas tradicionais, numa lógica secular marcada pela
expropriação dos últimos.